Um Drama no Couto
Uma das virtudes da globalização é a de que, as noticias onde quer que aconteçam, são agora conhecidas ao momento, e em todo o mundo. Mas nem sempre foi assim, antes, as notícias eram apenas localizadas, ainda que algumas, em especial aquelas de cariz mais dramático e sobretudo, ligadas a crimes passionais, eram por vezes divulgadas em verso, designadas como romances de cordel.
Um desses crimes passionais ocorreu no início do século passado, na vizinha aldeia do Couto de Ervededo, quando um casal, por força das circunstâncias da vida, se viu obrigado a separar, tendo o marido emigrado para o Brasil, deixando a sua jovem mulher na terra, como viúva de um homem vivo.
Para amenizar as muitas saudades, lá iam trocando cartas, contando um ao outro, as incidências principais das suas vidas, separadas por um oceano. Só que na época, a maioria da população portuguesa era analfabeta, porém, quase sempre havia alguém na terra que sabia ler e escrever, a quem os iletrados recorriam.
E no Couto de Ervededo, havia uma família onde todos os seus membros, sabiam ler e escrever, dos quais, alguns foram até professores, inclusive na nossa aldeia. E eram os membros dessa família que serviam de intermediários na escrita dessas cartas, fossem elas de casais, de pais para filhos ou até mesmo entre namorados.
Foi essa relação de leitor e escritor das cartas do casal, que, aproximou o Manuelzinho, da jovem Emília. E como diz o ditado “longe da vista, longe do coração, foi nascendo entre estes dois, uma relação afectuosa, ainda que proibida à luz da moral pública.
Mas alguém escreveu ao marido, informando-o de que o comportamento da sua mulher, não se adequava à da condição de uma mulher casada e séria. Mesmo não dando grande crédito à informação, o homem para dar estabilidade ao seu casamento, decidiu regressar à terra, abandonando o sonho de encontrar a árvore das patacas, e retornando à anterior vida que deixara.
De qualquer forma e após o seu regresso, o homem passou a andar mais atento aos movimentos de Emília e do Manuelzinho, até que um dia, os apanhou em flagrante. Nem pensou duas vezes, rapou do revólver que tinha trazido do Brasil e disparou sobre o Manuelzinho, despejando nele toda afronta sofrida no momento.
O drama tornou-se conhecido em toda a região, e cantado como romance de cordel da seguinte forma:
I
Tocam os sinos no Couto
Ai Jesus! Quem morreria
Mataram o Manuelzinho
Ele a morte não merecia
II
Oh Emília, Oh Emília
Oh Emília ó traidora
Mataram o Manuelzinho
Foste tu a causadora
III
Oh Emília, Oh Emília
Cobre o teu lenço amarelo
Esses teus lindos olhos
Ficaram no cemitério
Nuno Santos