Pese embora o termo soe a algo depreciativo, e isso irritasse muito a minha tia Ester, quando em miúda, lhe diziam que, o seu pai e meu avô Eurico era um Citoque.
A citação é um ato formal, ou seja, a informação de que contra alguém, existe um processo - sendo que esta informação deve ser completa.
Desde o reinado de D. Afonso II, primeiro com a lei de 1211 chamada de “Confirmações”, complementada depois em 1220 com outra lei, designada “Inquirições Gerais” que, o território português se encontra cadastrado, sabendo-se de quem era o quê.
È claro que esse modelo foi sendo melhorado ao longo dos anos, até porque nessa altura o nosso território, não passava a sul do Tejo, porquanto os mouros permaneciam ainda na península ibérica, porquanto não tinha ainda ocorrido a total conquista do território, só com o D. Afonso III “Rei de Portugal e dos Algarves” embora isso seja uma longa história.
As leis criadas por D. Afonso II geraram na época muita polémica, em especial entre o poder do rei e da igreja, pois sabe-se que a igreja tinha mais poder que o rei, de tal forma que, eram os papas quem reconheciam os reis.
O nosso primeiro rei D. Afonso Henriques que, se assumiu como rei no ano de 1139, só viria a ser reconhecido pelo papa Alexandre III, através da bula “Manifestis Probatum” em 1179, quarenta anos depois.
Na época como agora, os detentores da propriedade tinham de pagar impostos ao estado, pela posse da propriedade, um imposto que também tem mudado de nome ao longo dos anos, sendo os mais recentes; décima, contribuição predial e actualmente, IMI Imposto Municipal sobre Imóveis.
As citações fazem-se agora por via postal, e mais recentemente ainda, por via notificação eletrónica, mas antes, eram os próprios funcionários da Fazenda Pública como o meu avô era na altura , que, andavam de terra em terra, citando os relapsos ou relaxados. Termo utilizado para quem não paga os impostos atempadamente, ou seja dentro do prazo.
Apesar da desagradável missão de cobrador de impostos, o meu avô Eurico, era altamente estimado por toda a região, do planalto à montanha, desde Segirei a Santa Leocádia. Um dia quiseram tocar-lhe o gaiteiro em sua honra, porque apesar de não ser ele o Chefe das Finanças, instituíra na Repartição uma prática, de que, os contribuintes residentes nessas zonas, tinham prioridade no atendimento, sobre os contribuintes com residência mais próxima.
Muitos desses contribuintes e até mesmo da nossa aldeia, não chegavam a ficar relapsos ou relaxados, porque ele próprio pagava do seu bolso a contribuição em falta, limitando-se depois a cobrar o imposto já pago por ele. Esse reconhecimento media-se não só pela estima e consideração, como em salpicões e linguiças, as quais juntava em casa mais do que muitos lavradores que, matavam várias sebas.
Essa missão de andar pelas aldeias, tornou-o conhecido e estimado em toda a região, eu próprio, tive ainda o privilégio de o constatar, quando, em aldeias como S. Vicente da Raia ou noutras por onde passei, bastava dizer que era neto do Sr. Eurico Afonso, para ouvir os maiores encómios à sua pessoa.
Mas essa itinerância também tinha muitos inconvenientes, desde logo porque fazia grandes caminhadas, porquanto, não havia meios de transporte, senão cavalos, machos ou burros, e a Fazenda Pública não tinha esses meios. Segundo porque passava largos períodos fora de casa, dormindo por essas aldeias, quase sempre na casa do presidente da junta local.
Uma dessas ausências ocorreu precisamente, no dia da aurora Boreal, num dia em que a sua filha Ester fazia anos, e ele estava em Moreiras. Por isso a sua família fugiu como as outras para a igreja, o que duvido que tivesse acontecido, se ele estivesse em casa, porque sendo mais instruído, por certo os elucidaria tratar-se aquilo, de um fenómeno natural.
Esta é mais uma faceta de uma personagem da nossa terra, que fica para memória futura, mas sobre a qual há muita mais matéria para contar.
Nuno Santos