O Cotrão
Nos últimos anos o termo de Outeiro Seco sofreu uma transformação radical, causado pela construção de várias estruturas económicas na freguesia, e por via disso, houve nomes de locais que praticamente desapareceram da nossa nomenclatura. Um desses locais é o Cotrão, que, por força da construção do Parque Empresarial e Industrial foi totalmente absorvido por essa estrutura, assim como parte de Vale Salgueiro e de Vale de Amieiro.
A família Lopes à portuguesa, é conhecida pelos Galegos, fazendo jus às origens do pai, natural da Galícia, mais propriamente da província Lugo, a mesma província donde nos finais do século IXX a família de Fidel Castro emigrou para Cuba, tal como muitos portugueses, alguns dos quais outeiro secanos como Líbia Pepa que, aí conheceu e casou com Álvaro Lopez.
De facto, a alcunha de galego vinha-lhe a propósito. Primeiro porque efectivamente tinha nascido na Galícia, segundo porque pese embora tenha vivido em Portugal e na nossa aldeia, seguramente mais de cinquenta anos, o tio Álvaro, jamais perdeu a origem da sua língua, e continuou até ao fim da sua vida, a falar sempre em galego.
Ora, era precisamente no Cotrão que, esta família tinha uma propriedade, situada mais ou menos onde agora está a rotunda do MARC - Mercado Abastecedor da Região de Chaves, e donde produziam de tudo para a casa. Para a casa isto é, se antes outros os o não colhessem primeiro, porque a propriedade estava exposta a isso, situada ali mesmo junto à estrada.
Entre algumas árvores de fruto que havia na propriedade, destacava-se um pessegueiro temporão, que dava uns pêssegos tão rosadinhos que, cegava de desejo os que passavam na estrada. Por isso um dia lá pelo tempo das vindimas, um grupo de mariolas da aldeia, combinaram fazer a colheita do pessegueiro, antecipando-se assim ao Zé Galego, seu legítimo proprietário.
O grupo, ainda que sem qualquer necessidade senão a adrenalina própria da juventude, compunha-se pelo; Zé Fernando, Zé Manuel, Tibério, Altino e Nuno, embora este porque teve de ir à pisada do Sr. Miguel Pereiro, só se juntou ao grupo no fim. Como o Cotrão ficava longe da aldeia, o plano utilizado foi o seguinte. Iam de noite no carro do pai do Altino, o qual conduzia com perícia, desde os seus catorze anos, traziam os pêssegos no carro, os quais seriam depois comidos, por uma ou mais vezes, num palheiro situado junto ao rigueiro, mesmo em frente à casa do Redonda velho, que os pais do Zé Manuel traziam de renda.
O plano foi cumprido à risca, trouxeram um enorme saco de pêssegos, no regresso apanharam o Nuno junto à senhora da Portela. O Altino estacionou o carro na garagem, e lá foi o grupo com o saco dos pêssegos para o palheiro, através do caleão. Ao passar o rigueiro ainda seco, pois estávamos ainda no verão, o grupo vê que um pouco mais acima, junto à pedra de mesa, atravessava também o rigueiro o Quim Redonda, já com um grão na asa, vindo da pisada do seu irmão Silvano.
O Zé Manuel que na festa anterior tinha comprado uma pistola de alarme, decidiu então dar dois tiros para o ar, só para assustar o Quim Redonda. Este ao ouvir os tiros e pensando que se dirigiam a si gritou – Ai que me querem matar, e aos esses, foge a sete pés para casa, logo ali perto.
O som dos tiros foi ouvido pelo Norberto que, vindo também da pisada do Silvano, depois de se ter separado do Quim Redonda, seguia para casa, indo já perto da casa do Ilídio. De imediato, suspeitou que os tiros eram da pistola do Zé Manuel, porque ele próprio já a tinha experimentado. E quando o grupo estava já dentro do palheiro iniciava a degustação dos pêssegos, sentiu o ferrolho exterior da porta a correr, e ouvem a voz do Norberto a dizer.
- Ah bandidos que haveis de dormir aí!
Reconhecida a voz do Norberto ninguém ficou preocupado, pensando que em breve ele se juntaria ao grupo. Só que o tempo foi passando, e do Norberto nem sinais. Como ia ficando cada vez mais tarde, a preocupação em sair do palheiro tornou-se maior, principalmente, pelas justificações a dar à família da não dormida em casa, sendo o Altino, o mais preocupado, porque não era usual sair à noite, em especial sem autorização para tal.
Fizeram-se várias tentativas para abrir a porta pelo interior, mas todas foram infrutíferas. A ansiedade foi-se apoderando de todos, até que alguém se lembrou de subir ao montão de feno ali armazenado, o qual chegava ao tecto, e dali retirar umas telhas do telhado por onde saiu, abrindo depois a porta pelo exterior.
Foi já de madrugada que o grupo recuperou a liberdade perdida, como que se estivera de castigo pelo acto praticado, cumprindo-se a máxima “ Cá se fazem cá se pagam”.
Nuno Santos