A viagem do além
Há uma passagem da bíblia que nos fala de um homem rico que, devido à sua vida excêntrica fora condenado ao inferno. Pediu então a Deus que enviasse um mensageiro à terra, e avisasse a sua família a mudar a sua forma de vida, de modo que também eles, não tivessem o mesmo destino, no dia do seu julgamento final.
Mas Deus disse-lhe:
- Têm lá os profetas, eles que os ouçam, pois ninguém pode passar de um mundo para o outro.
Esta parábola não foi levada a sério por António dos Santos Costa, mais conhecido por “Bigode de arame” que, durante anos, viveu à luz da igreja e da moral da época, em pecado com a senhora Rosalina Pipa, fruto da relação que iniciaram no Brasil, onde ambos estiveram emigrados. Tudo porque a senhora Rosalina tinha sido casada em primeiras núpcias, com um dos Troxos de Santa Cruz, tendo nascido desse casamento o Sr. Leopoldo “Mansinho”.
Por razões desconhecidas esse casamento acabou, e a senhora Rosalina refez a sua vida conjugal ainda no Brasil, com o António dos Santos Costa. Pouco tempo depois ambos regressaram à terra que os viu nascer, onde viveram e criaram vários filhos, nascidos dessa relação marital, pois não podiam oficializar o casamento, porquanto, o primeiro marido ainda estava vivo.
Alguns anos mais tarde chegou a notícia da morte do primeiro marido, ficando assim reunidas as condições para o casal regularizar o casamento. Só que vá lá saber-se porquê! António Santos Costa recusou casar-se, evocando que já era velho para isso. Dizem-nos testemunhos chegados até aos dias de hoje, que, desde o dia em que o Bigode de Arame se recusou a casar, a senhora Rosalina nunca mais dormiu na mesma cama com ele. Dizia ela que não se consumando o casamento na igreja, também não se consumava na cama.
A senhora Rosalina faleceu primeiro e o Bigode de Arame passava grande parte do seu tempo em Vale de Amieiro, onde tinha várias propriedades. Numa dessas propriedades tinha junto a um poço uma grande figueira que, dava uns belos figos, que eram cobiçados por todos os pastores que apascentavam por ali os seus gados.
Um dia estava o Lelo Dó em cima da figueira, abstraído e deliciado comendo os belos figos, quando se apercebeu que a menos de cem metros, se aproximava o Bigode de Arame, montado no seu burro.
Aflito e sem saber como sair daquela situação, pois se saltasse da figueira por certo que o reconheceria, começou a magicar uma estratégia que o livrasse daquele imbróglio. Foi então que lhe ocorreu a mirabolante ideia.
Conhecedor do constrangimento havido entre o casal, lembrou-se de imitar a voz da falecida, e começou a gritar num tom arrastado e lancinante.
- Desgraçado! É um desgraçado! Não quiseste casar comigo, agora fazes-me a andar a penar neste mundo, seu desgraçado!
O Bigode de Arame quando ouviu aquela voz, sentindo-se porventura de consciência pesada, deu meia volta ao jumento e ala que se faz tarde, regressou o mais rápido que pode ao lugar de partida. O Lelo Dó é que pode continuar a saciar-se com os belos figos da figueira.
Nuno Santos