No tempo das castanhas
Diariamente vemos e ouvimos opinadores, para não lhe chamar antes profetas da desgraça, afirmando que os tempos que se aproximam, vão regredir aos tempos do passado.
Para os mais jovens que não passaram por essas restrições, isso poderá parecer uma ficção, mas de facto, até ao início da década de sessenta, a vida não foi fácil para a generalidade da população portuguesa.
Essas restrições foram de todo o género, parafraseando o poeta das canções Sérgio Godinho, da paz ao pão da habitação à saúde, educação, passando também pela liberdade.
As populações rurais, pelo menos no tocante à alimentação, lá iam disfarçando essas carências com o que a terra dava, apesar de dar pouco. Nesta altura do ano por exemplo, eram as castanhas cozidas, complementadas com um bom caldo de feijão e couves, que serviam de base à alimentação de muitas famílias.
Antes a nossa veiga estava pejada de soutos de castanheiros, iam da ponte do Sabugueiro à foz do rio pequeno. Mas Infelizmente nem todas as famílias tinham castanheiros, razão pela qual um dia, um chefe de família que tinha em casa umas seis bocas para alimentar, levantou-se de manhã bem cedo, e munido de uma cesta, foi a um dos soutos mais próximos da aldeia, com o propósito de apanhar as castanhas que durante a noite tinham pingado dos ouriços, antecipando-se assim aos seus proprietários.
Tinha o nosso homem começado a apanhar as primeiras castanhas, quando ouviu uma voz cavernosa, vinda não sabe de onde, que lhe disse.
- Hum! Madrugaste!
O homem interrompeu a apanha das castanhas olhando na direcção de onde vinha a voz, mas não viu viv’alma. Estarrecido com o tom daquela voz, acrescido ao facto de se sentir em transgressão, pegou na cesta e zarpou de imediato para casa, com meia dúzia de castanhas no fundo da cesta.
O certo é que este homem, viveu sempre com aquele enigma. De quem seria a voz que, ouviu nesse dia? A voz do dono do souto não era porque a conhecia ele bem.
Nuno Santos